Há tempos você não ganha uma promoção. O seu salário está abaixo da média do dos colegas com o mesmo cargo. E, pela enésima vez, você não é convidada para participar de um projeto ou de uma oportunidade que lhe daria grande exposição na empresa. Você não é a única nessa situação, se isso lhe conforta. Outras mulheres — analistas, gerentes ou diretoras — passam pelos mesmos problemas.
Talvez seja a hora de enfrentar a realidade. Esse misto de estagnação e falta de reconhecimento pode ser, pelo menos em parte, culpa sua. Em uma palavra: autossabotagem. A remuneração média mais baixa das mulheres resulta, em muitos casos, do fato de elas não negociarem quanto vão ganhar antes de aceitar o emprego. “Muitas se sentem tão agradecidas por terem sido escolhidas que nem questionam o que é oferecido”, afirmam Linda Babcock e Sara Laschever no livro Women Don’t Ask (“Mulheres não pedem”, tradução livre).
Em uma pesquisa, as autoras descobriram que 57% dos homens costumam fazer essa negociação e somente 7% das mulheres fazem o mesmo. Muitas dizem ficar apreensivas com a possibilidade de entrar em conflito com o interlocutor, por isso não negociam.
Outros estudos revelam que, apesar de gostarem de competir, as mulheres conseguem resultados inferiores quando seus oponentes são do sexo masculino. Uma dessas pesquisas demonstrou que alunas boas em matemática tiravam notas baixas em exames ao serem lembradas do estereótipo de que meninas são competentes em letras, não em números. Esse comportamento é resultado da “ameaça dos estereótipos”, um conceito da psicologia social estudado pelo americano Claude Steele.
Funciona assim: as pessoas estereotipadas como incompetentes em uma atividade ficam tensas e perdem a concentração quando têm suas habilidades colocadas à prova. Normalmente elas falham ou, pior, desistem de participar da competição.
Em um outro estudo, Joseph Price, professor da universidade americana Brigham Young, demonstrou que os homens se candidataram mais rapidamente a vagas de bolsas de estudo depois que souberam que a seleção seria um processo competitivo e que havia mulheres inscritas. “É preciso entender que aumentar o grau de competição entre as pessoas [de uma empresa ou universidade] eleva o resultado médio do grupo [afinal, só os melhores vencem], mas também aumenta as diferenças de conquista entre homens e mulheres”, afirma o professor em um artigo de 2008.
Aloisio Buoro, professor de comportamento organizacional do Insper, lembra que o mundo corporativo ainda é bastante masculino. “Já melhorou muito, apesar de o discurso das empresas ainda não se refletir em mais mulheres no topo”, afirma. Ele lembra que “antigamente, dizia-se que, quando uma mulher era excelente gestora, ela tinha um perfil masculino”. “A gente ainda vive num mundo onde a verdade masculina é absoluta.” Uma executiva assertiva, muitas vezes, é vista como agressiva, autocentrada ou até mesmo irresponsável ao se candidatar a um projeto que exigirá, aparentemente, muito mais do que sua capacidade. “O homem, nessa situação, é visto como ousado”, diz a coach Eliana Dutra.
Em alguns momentos, Marilia Figueiredo, gerente de P&D e inovações de embalagem de consumo da Henkel, sente esse tratamento diferenciado. Quando expõe rigorosamente sua discordância em uma discussão, alguns colegas perguntam se ela está brava. Marilia acha engraçada a reação, mas não se abala. “Há situações em que, se eu não falar com firmeza, as pessoas não vão sentir credibilidade”, afirma a executiva de 36 anos que administra 11 funcionários, distribuídos em três equipes.
Para acabar com a autossabotagem, Eliana Dutra sugere uma atitude que considera essencial: controlar a tensão e o sentimento de injustiça e manter-se absolutamente racional. A defesa de seu aumento de salário deve ser feita com base nos resultados conquistados no trabalho, não pelo tempo de serviço, por exemplo. Eliana também recomenda que a mulher construa uma relação de confainça com o gestor. “Exponha sua capacidade e seu interesse para assumir novos desafios. E saiba estabelecer limites”, diz.
Foi exatamente isso que a engenheira Marilia fez. Quando voltou da licença-maternidade à Henkel, procurou seu gestor para explicar que trabalharia das 8h às 17h. Ela precisaria sair nesse horário para buscar o bebê na creche. “Nunca tive problema com isso”, diz. O pequeno Lucas já está com 2 anos e meio. E a negociação de Marilia continua valendo.
Fonte: Você S/A